Esquerda
Horas depois de Vladimir Putin ter anunciado a mobilização de reservistas, houve protestos em 38 cidades, como não se via desde o início da invasão. Voos só de ida a partir da Rússia esgotaram em pouco tempo.
Esta quarta-feira foi dado mais um passo na escalada da guerra na Ucrânia. O presidente russo anunciou ao país a "mobilização parcial" para o reforço das tropas que participam na invasão à Ucrânia, prevendo-se que sejam acrescentados mais 300 mil soldados à capacidade militar russa e assim contrariar o recuo forçado das últimas semanas por parte das tropas russas. Foi também anunciada a realização de referendos por parte das regiões ocupadas pela Rússia. Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia são as regiões onde os separatistas organizarão estes referendos nos próximos dias, cujo resultado final a favor da inclusão na Federação Russa dará cobertura ao Kremlin para acelerar o calendário de anexação de parte da Ucrânia e para ameaçar com retaliações militares mais potentes a qualquer incursão das tropas ucranianas naquelas regiões.
Poucas horas depois do anúncio de Putin, milhares de russos saíram às ruas de 38 cidades, segundo a OVD-Info, que monitoriza os protestos no país. A grande maioria dos mais de 1.386 detidos protestavam em Moscovo e São Petersburgo. Uma porta-voz do Ministério do Interior russo confirmou que "em algumas regiões houve tentativas de levar a cabo protestos não autorizados que juntaram um número extremamente pequeno de participantes", tendo todos sido travados pela polícia.
Segundo a agência France Presse, em São Petesburgo os manifestantes gritaram "Não à mobilização!" até serem detidos um a um pela polícia e levados para dentro de autocarros. "Toda a gente tem medo. Eu sou pela paz e não quero ter de ir dar tiros. Mas sair à rua neste momento é muito perigoso, caso contrário estariam aqui muitas mais pessoas", afirmou um estudante. Outro cidadão com 60 anos de idade afirmou ter ido ao local do protesto com a intenção de participar, "mas parece que já estão a prender toda a gente. Este regime condenou-se a si próprio e está a destruir a sua juventude". Mais otimista, uma jovem de 20 anos disse estar segura de que o povo russo vai compreender em breve a natureza da ofensiva contra a Ucrânia e nessa altura "irão sair às ruas, apesar do medo". Imagens partilhadas nas redes sociais mostram a detenção violenta de um homem a quem os agentes policiais partiram um braço:
Em Moscovo, segundo a OVD-Info, houve pelo menos 500 pessoas detidas, algumas delas de forma preventiva ao serem identificadas pelo sistema de reconhecimento facial nas estações de metropolitano. A alguns dos detidos foram entregues ordens de comparência no alistamento militar.
Estes foram os primeiros protestos anti-guerra espalhados pelo país desde o início da invasão russa em fevereiro, apesar dos sucessivos avisos das autoridades de que essa participação pode acarretar até 15 anos de prisão. A OVD-Info contabilizou até agora 16.500 detenções, mais de quatro mil autuações policiais sob o artigo que penaliza críticas aos militares e 245 pessoas a responder em processos criminais.
Medo da proibição de sair do país provoca corrida às viagens aéreas
O anúncio da mobilização veio dar força aos rumores que circulavam nas últimas semanas acerca da possibilidade de ser decretada a proibição de saída do país aos homens em idade de combater. E não demorou muito a esgotarem-se os bilhetes de avião para os próximos dias com destino à Turquia e à Arménia, países que dispensam visto aos cidadãos russos. Outros destinos também esgotaram os bilhetes e viram o preço dos bilhetes disponíveis disparar.
Durante a noite, a guarda fronteiriça finlandesa - atualmente a única froteira terrestre da UE a aceitar a entrada de turistas russos - deu conta do aumento de tráfego automóvel vindo da Rússia, enquanto a Estónia, Letónia e Lituânia, tal como a Polónia, anunciaram que não irão dar refúgio aos cidadãos russos que tentam escapar à mobilização militar, negando desde a meia-noite de segunda-feira a sua entrada em território nacional.