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Dois poetas russos foram condenados a vários anos de prisão por terem lido um poema crítico da invasão da Ucrânia. Um deles denuncia ter sido espancado e violado. A relatora especial da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos na Rússia quer que sejam libertados e o caso investigado.
A relatora especial da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos na Rússia, Mariana Katzarova, emitiu um comunicado no qual se exige a libertação imediata dos dois poetas russos, Artiom Kamardine e Iegor Shtovba, que foram condenados a penas de prisão de sete e cinco anos e meio por terem lido um poema crítico da invasão da Ucrânia.
De acordo com a relatora da ONU, esta condenação está “em flagrante contradição com os padrões internacionais de proteção da liberdade de expressão”. Exige-se ainda a investigação às denúncias de maus-tratos e tortura a Artiom Kamardine.
O caso remonta a 25 de setembro de 2022. Na Praça Triumfalnaya, aos pé da estátua do poeta Vladimir Mayakovsky, decorreu mais uma sessão das habituais “leituras Mayakovsky”, um ponto de encontro tradicional dos poetas dissidentes da cidade desde os anos 1950. Suprimido pela censura, fora restabelecido em 2009. Artyom Kamardin, um autor de 31 anos que costumava participar da iniciativa, recitou um poema seu que apontava ao decreto de mobilização para a guerra da Ucrânia que Putin acabara de lançar e aos separatistas do Donbass chamado “mata-me, miliciano”.
Shtovba, de 23 anos, é acusado de, tendo participado na leitura, ter demonstrado apoio ao poema de Kamardin, o que ele nega. O New York Times(link is external) contou a sua história esta segunda-feira a propósito de se ter casado durante a sua estadia de 15 meses na prisão antes do julgamento. Com Nadezhda, a mulher para a qual nesse dia 25 tinha lido um poema de amor na primeira vez que partilhou a sua poesia em público.
No dia a seguir à leitura, um grupo de homens mascarados entrou em casa de Kamardin, impediu-o de contactar o seu advogado, maltratou-o e deteve-o junto com a sua mulher. Nessa noite, Kamardin surge num vídeo num canal de Telegram utilizado pela polícia junto com outros dois participantes das leituras. Com a cara com visíveis sinais de agressão, apresentou um também já tradicional pedido de desculpas público pelo sucedido.
Esteve detido 48 horas antes de um pré-julgamento. Durante esse tempo, segundo as suas denúncias, foi agredido e violado com um haltere. O seu advogado afirma ter visto que foi transportado ao hospital de ambulância e a sua mulher, Alexandra Popova, declarou que ouviu os seus gritos e que agentes do Comité de Investigação a forçaram a ver um vídeo da violação ao mesmo tempo que ameaçaram do mesmo. Ela própria difundiu um atestado médico posterior à sua libertação onde se constatava que tinha sofrido um traumatismo craniano, hematomas e escoriações na cabeça e denunciou que he tinha sido aplicada cola super-forte na cara e na boca. A violência deste caso foi sendo denunciada pela Human Rights Watch(link is external) e pela Amnistia International(link is external).
Os dois poetas foram acusados de “incitação ao ódio” e condenados na passada quinta-feira por “apelos públicos à prática de atividades contra a segurança do Estado”. Kamardine recusou o estatuto de herói da liberdade de expressão numa mensagem publicada no Telegram por amigos seus: “ir para a prisão pelo que penso nunca fez parte dos meus planos”, escreveu. Antes do julgamento leu alguns versos de um poema seu sobre como a poesia permite “romper o silêncio” mas já no próprio julgamento pediu ao juiz para “voltar para casa” prometendo, se tal acontecesse, não tocar publicamente em qualquer “assunto delicado”.
Depois do veredicto ser lido, os seus apoiantes gritaram “vergonha” e a sua mulher considerou a pena “demasiado pesada” em declarações à AFP. “Se tivéssemos tribunais normais, esta situação não existiria”, afirmou ainda. Acabaram todos presos depois de saírem do tribunal por “manifestação ilegal”.
A ONG de defesa dos direitos humanos OVD-info dá conta que um terceiro poeta preso ao mesmo tempo, Nikolaï Daïneko, tinha sido condenado em maio a quatro anos de prisão. A mesma organização diz que cerca de 20.000 pessoas foram detidas por se terem manifestado contra a invasão da Ucrânia e a Memorial considera que, neste momento, há 633 presos políticos na Rússia.