A Europa não se salvará se trocar o Estado Social por armas

No último mês vimos Elon Musk, o ministro especial de Trump, a interferir na política interna do Reino Unido, da Alemanha, da Roménia, da Irlanda e da própria UE. O Vice-presidente dos EUA veio a Munique apoiar a AfD, partido alemão de extrema-direita, a uma semana das eleições.

Na última semana, ouvimos esse mesmo vice Presidente chamar “totalitários” a governos democráticos e classificar como “censura” a regras da democracia. Vimos um representante do Presidente norte-americano determinar que a Europa não fará parte de qualquer negociação sobre a Ucrânia, mas será chamada para cumprir os termos desse acordo.

Ontem assistimos de longe a uma suposta cimeira de paz para a Ucrânia, realizada entre um representante de negócios dos EUA, o país que diz que não tem nada a ver com a Europa, e a Rússia, a potência agressora, mas sem a presença do país ocupado.

Em comentário posterior, o presidente Trump respondeu ao homólogo ucraniano dizendo: “nunca deviam ter começado” e acrescentou ao que vinha: a repartição com a Rússia das terras raras ucranianas, que os tecno oligarcas cobiçam.

Trump e Putin são aliados. Trump e Putin partilham os mesmo objetivos: normalizar regimes autocráticos e totalitários – daí a escolha da Arábia saudita para palco deste encontro – e promover a proximidade das suas oligarquias, dividir zonas de influência, desestabilizar as democracias da Europa e dominar os seus governos através do apoio e financiamento dos partidos de extrema direita: AfD na Alemanha, Orban na Hungria, Chega em Portugal, os neofascistas em Itália.

Se Trump e Putin são aliados, e se Putin é inimigo, Trump é o que?

Este simples problema de lógica deu um nó na cabeça das lideranças europeias, incluindo da portuguesa. Não sabem o que fazer, estão paralisados de medo e estupefação, como se este momento não estivesse anunciado.

Os governos liberais europeus perderam-se nos seus próprios dogmas orçamentais e eurorocráticos e na fé cega na NATO.

Desvalorizaram o trumpismo, os tecno-oligarcas norte americanos e a dependência digital e energética da Europa.

Abandonaram a agenda climática porque acharam que substituiam o petróleo russo por gás norte-americano.

Apostaram no prolongamento da Guerra da Ucrânia sem nunca se terem empenhado numa diplomacia de paz, rumo a vitória, diziam. Boicotaram as negociações de paz de Istambul em 2022, que tinha já o acordo de Kiev para uma saída de neutralidade, entregaram refugiados curdos a Érdogan para ganhar o seu apoio na Nato.

E tudo isto para quê? A UE está paralisada perante dois imperadores de extrema-direita que estabelecem entre si os termos da rendição da Ucrânia, do assalto da extrema-direita ao poder na Europa e a organização dos negócios do mundo.

A reunião ad hoc convocada por Macron foi um fracasso embaraçoso.

Os líderes europeus dividem-se entre pedidos desesperados para que Trump não deixe de ser amigo da Europa, a aceitação absurda das exigências para o aumento dos gastos em defesa, destinados a beneficiar a indústria norte-americana, ou a exigência ainda mais absurda de um exército europeu.

Troquem escola, saúde e solidariedade por bombas e drones assassinos, e os únicos que ficarão a salvo são os partidos da extrema-direita que se alimentam da degradação do Estado Social.

Não é porque a corrente da história nos arrasta para o desastre que nos devemos deixar ir. O povo português, e europeu, merece mais que estas lideranças, fracas, desorientadas, assustadas.

A Europa não se afirma a correr para a guerra porque “este não é o tempo da paz”, como disse o chanceler social-democrata alemão. Afirma-se a enfrentar a insanidade dos imperadores em disputa, se mantiver uma neutralidade ativa, e conseguir tratados de não-agressão entre Estados europeus, afirmar o poder da diplomacia e do direito internacional.

A Europa não precisa de um exército próprio para garantir a sua autonomia.

A Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE) pode e deve libertar-se dos velhos condicionamentos da guerra-fria e da presença dos EUA. A Organização para a Segurança e Cooperação é uma necessidade dos povos europeus a ocidente da Rússia, e que já existe em paralelo com o Conselho da Europa, órgão garante dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais. Ambos constituem instituições internacionais de referência. Há mais Europa política para além do ordenamento de Bruxelas.

A Europa não se salvará se trocar o Estado Social por armas. O conjunto dos países da União Europeia têm mais militares no ativo do que os EUA ou a Rússia, e a soma dos seus orçamentos de Defesa é superior ao da Rússia e fica próximo da China.

Fazer a guerra em nome da democracia enquanto se deixa a democracia morrer é um erro que as gerações futuras não perdoarão aos decisores do presente. Resta saber como Portugal quer ser recordado nesse futuro.

Intervenção no plenário da Assembeia da República, 19 de fevereiro de 2025.